Home / Blog / Cultura e Política nas páginas de Duna

*Por Nathalia de Morais

Esse texto faz parte da série #DesvendandoDuna, em parceria com o site Delirium Nerd.

Poucas tramas conseguem desenvolver a política de maneira tão fluida quanto a criada pelas mãos de Frank Herbert. Para quem observa Duna sem conhecer a obra, parece apenas mais uma história messiânica com um Império ao redor. Mas ela merece seus créditos, visto ser pioneira no gênero e ter uma fragmentação maior do que o genérico alcança.

Estrutura Política em Duna

Existem as Grandes Casas, a Guilda, a CHOAM (Consórcio Honnête Ober Advancer Mecantiles), o Império, as Bene Gesserit, os Mentats e os fremens. Portanto, cada elemento faz parte de uma odisséia espacial, sendo vital para o funcionamento da trama. São conspirações, costumes, religiões, além de condicionamentos que ganham tonalidade mágica. Em Duna nada é o que parece ser, possuindo um plano dentro de outro, além de elementos políticos contornados de maneira precisa. 

Uma breve explicação sobre as principais Instituições em Duna seria: a CHOAM é responsável pelo desenvolvimento universal, tendo as Casas Maiores, a Guilda Espacial e as Bene Gesserit como sócios. Essa aliança, tão frágil quanto qualquer outra moldada na busca pelo poder, onde cada integrante pensa de maneira diversa, sempre esteve fadada ao fracasso. No entanto, eles são partes vitais ao desenvolvimento da trama. A CHOAM, por exemplo, é responsável por analisar os elementos transportados pela Guilda Espacial; onde alguns acordos são feitos para fazer vista grossa perante certas situações. 

A Guilda Espacial, por sua vez, é uma organização que detém o poder de supervisionar e controlar as viagens feitas pelo universo. O princípio de seu monopólio é marcado como o marco inspirador para o ano I do Calendário Imperial: após ser consolidada, o universo passou a datar o tempo como a.G e d.G (antes e depois da Guilda). 

As Bene Gesserit, em linhas gerais, são uma Irmandade de alta influência e capacidade de condicionamento que planejam a criação de um ser que “estivesse em todos os lugares ao mesmo tempo”. No entanto, quando seus planos tomam uma rota imprevista, elas passam a defender a proteção do futuro da humanidade. Elas nasceram, portanto, durante o instável momento do Jihad Butleriano e ascenderam no Imperium. 

Como as demais organizações, as personagens possuem sua própria estrutura diferenciada, através de uma Reverenda Madre Superiora, além do conhecimento de Outras Memórias. Ou seja, as Madres Superiores partilhavam, uma após a outra, todas as suas memórias. Portanto, estar nessa posição significa viver no presente, retendo o conhecimento dos fatos passados. 

Política fantástica, reflexos atuais

Em Duna também encontramos um paralelo incapaz de ser deixado para trás: vejamos, é um universo onde a escassez de água predomina. Onde intrigas políticas são feitas para criar pessoas à margem da sociedade abastada. Um mundo onde sua linha temporal presenciou a guerra pelo petróleo, cuja colonização de outros planetas não foi nada pacífica. Até alcançarmos o Imperium, um padrão político e histórico é traçado: o de colonizar. 

Javier Bardem como Stilgar, na adaptação de 2021.

Ao conhecer o universo de Duna visualizamos um local inóspito, árido e desértico. E dentre toda essa visão infinita de areia há também uma especiaria que movimenta o interesse da estrutura política: o mélange (substância paralela ao petróleo), capaz de conceder não apenas o prolongamento da vida, como também o abastecimento de tanques e visões.

E como não poderia deixar de ser numa obra que tanto se envolve com a realidade, a religião é um dos aspectos mais importantes de Duna. Ao criar um mundo onde profecias messiânicas ainda perduram, tal detalhe pode ser analisado como um elemento de sincretismo do Messias, de algum “salvador”. Ele existe hoje tanto na Igreja Católica quanto em outras religiões mundo afora. 

Todavia, Frank Herbert se preocupa ainda com sistemas imperialistas. Por análise, toda obra gira ao redor de um Império que tenta impor suas regras aos demais. É uma técnica feita após a colonização, onde o homem não apenas conquista certo território, mas implanta o seu sistema de origem sobre os demais ao pregar uma “causa maior”. Foi assim com a Guerra do Vietnã, para citar um exemplo mais recente, e todo o sistema imperialista japonês e dos Estados Unidos – onde ambos tentam disfarçar através de táticas populares. Tais sistemas vendem a liberdade, mas agem para cercear a mesma.

Na versão de Dennis Villeneuve, Oscar Isaac interpreta o Duke Leto I. Em entrevista para a Empire, ele demonstra em breves linhas outra demonstração da dimensão que Duna abarca:  “Como um povo responde quando está no seu limite, quando já basta, quando eles são explorados? Tudo isso são coisas que estamos vendo no mundo neste exato momento.” 

Pôster de divulgação do filme de Villeneuve.

Elementos Culturais em Duna

Na mão de Frank Herbert há uma ode às diversas culturas existentes, além de outras que são projetadas como se o homem houvesse sobrevivido mais de dois mil anos para começar a explorar outros planetas. No livro de Duna os eventos que sucedem com Paul Atreides podem ser lidos num período de aproximadamente 24.600 anos após a data atual. Ou seja, não foi criado um “mundo paralelo” ou distópico. São eventos que se desenrolam durante a nossa linha temporal, porém num futuro distante. 

Devido ao tempo, diversas práticas culturais foram criadas; o maior exemplo delas reside nas mãos dos fremen, bem como, as pessoas livres do deserto. Eles cultuam a água, sendo ela o guia para o decorrer de seu desenvolvimento. Sua escassez no planeta tornava-os cautelosos, e para completar o ambiente hostil eram um povo perseguido; portanto era comum um fremen ter habilidades físicas aprimoradas. 

Técnicas de combate são apenas algo a mais para se aprender no dia-a-dia dos fremen. Suas aldeias são chamadas de sietch e governados por um Naib. Além disso, a população utiliza trajestiladores, que são vestimentas feitas sob medida para que perdessem apenas um dedal de água diário. Já no caso da morte natural de um fremen, seu corpo é jogado ao rio, pois sua água pertence a todos; exceto num eventual combate até a morte, quando o vencedor da luta tem direito à água e a carne, separadamente.

Os fremen e seus trajestiladores na adaptação de David Lynch.

Aliás, quando alguém é derrotado em combate na cultura fremen, o vencedor tem direito a casar com a viúva e adotar as crianças da pessoa, caso assim o deseje. No quesito religioso, aproximam-se dos zen-sunita, além de acreditarem que o grande verme é uma espécie de manifestação divina. O que é um zen-sunita, aliás? No original, chamado de “zensunnis”, é uma espécie de mescla entre o Sunni Islam e o Zen Budismo. No primeiro, entende-se que a redenção do ser humano depende da sua crença em Allah e em seus profetas, pois a misericórdia de Allah determinará a redenção dos seres humanos. 

Enquanto no Zen Budismo, sua essência vital é a de buscar a iluminação observando a mente real do ser humano, ou sua natureza, diretamente, sem intervenção intelectual. Portanto, os fremen são uma população que, assim como manda o Sunna, (em árabe, Sunna significa o caminho trilhado, sendo a fonte da lei islâmica, depois do Alcorão) apegam-se na disciplina árdua e no autocontrole. E um elemento importante na cultura deles é sua forte crença em profecias, algo aproveitado com astúcia pelas Bene Gesserit. 

Por que o destaque nos fremen? Pois foram eles o elemento-guia da ascensão Atreides, os quais protagonizam a quadrilogia. Atreides algum abandona os conhecimentos adquiridos dos fremen. Eles também são, sem muitas questões, o povo com o maior suporte dos fãs da saga. 

Existem ainda referências gregas em Duna, como a própria Casa Atreides e seu símbolo do Falcão, cuja linhagem afirma ser direta do Rei Agamenon da Mitologia Grega, que foi o líder do exército grego na Guerra de Tróia. Agamenon era filho de Atreu, também conhecido como rei de Micenas, e seus descendentes eram chamados de “Atreides”. 

A casa Atreides.

A Casa Corrino, por sua vez, outrora feroz e dominante no Imperium, detém o estandarte de Leão e domina no estilo feudal, com seus membros Imperadores sentando no Trono do Leão de Ouro. O Leão, na antropologia mitológica, está diretamente relacionado com a realeza. Os Harkonnen, em sequência, fazem uma linha industrial e seus membros do mais alto escalão são chamados de Barões. Eles, aparentemente, possuem raízes no norte da Europa; de nosso planeta atual; vieram de uma região chamada Suomi, proveniente da Finlândia. E para corroborar essa teoria, o nome Harkonnen tem origem semântica na palavra finlandesa härkä, cujo significado é nada mais do que “boi”. 

Reflexões Culturais e Políticas em Duna

Frank Herbert claramente estudou a cultura árabe, além dos mitos gregos e os sistemas políticos atuais para que estes conseguissem uma reverberação no futuro onde Duna se passa. Existe sim uma resistência ao modo que ele utilizou essas culturas, porém elas são abordadas como fonte vital do universo construído. E ele não criou, contudo, apenas um salvador estrangeiro que deveria salvar todos. 

Os Atreides incorporaram a cultura local, expandiram-na durante seu período no Imperium e não abandonaram o povo que os acolheu. Pelo contrário, todos eles fizeram parte do Conselho de Paul Atreides, cercado pelos ensinamentos dos fremen, treinado na doutrina Bene Gesserit, e sendo ele mesmo um Mentat. Em teoria, a “criatura perfeita”. Teoria. Pois em Duna, nada é o que parece, e o leitor precisa devorar página atrás de página para descobrir o que acontece durante os quatro livros principais e os outros dois livros – que falam sobre o legado do Imperador-Deus. 

Ilusttação de capa do livro Imperador Deus de Duna, o quarto livro da série.

Décadas atrás nasceu uma obra capaz de dialogar com problemas atuais sem a menor dificuldade. A visão de Herbert é algo que foi além e, infelizmente, tornou-se concreta. Nosso planeta nunca esteve tão perto de um colapso natural. Guerras por controle de combustíveis e recursos ainda são travadas. O homem ainda não aprendeu que para chegar no futuro deve cultivar o presente.


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* Nathalia de Morais é produtora de conteúdo, editora no Delirium Nerd, apaixonada por narrativas de ficção e mundos fantásticos. Dorme com um livro na cabeceira, e ama analisar obras da cultura pop através das mais variadas perspectivas.

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